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sábado, 17 de outubro de 2020

Assembléia de Deus - Vila Andrade - Setor 47 - Missão Haiti Parte 2

 

Haitianos no Brasil
Dez anos após terremoto que devastou o país, haitianos reconstroem a vida em SP

Mais de 107 mil haitianos migraram ao Brasil, na segunda maior onda migratória ao país desde 2010. A maioria escolheu o estado de São Paulo para reconstruir suas vidas. 

Às 13h40 da última quarta-feira (8), o voo 1665 pousou na pista do Aeroporto de Congonhas, em São Paulo. No aeroporto, a balconista Guerda Michel Dore, de 29 anos, estava à espera de uma passageira especial. Entre o assédio de taxistas e anúncios no alto-falante, Guerda mantém o olhar focado nos passageiros que saem do portão de desembarque. "É ela! É ela!", disse ao ver a filha, Djenie após cinco anos de separação.

A história da distância entre Guerda e Djenie pode começar a ser contada há dez anos, no dia 12 de agosto de 2010, quando um terremoto de 7 graus assolou o Haiti. Estima-se que 220 mil pessoas tenham morrido no desastre. Milhões deixaram o país. Mais de 107 mil deles migraram ao Brasil, na segunda maior onda migratória ao país desde 2010. A maioria escolheu o estado de São Paulo para reconstruir suas vidas.

% dos haitianos no Brasil

  • SP: 28%
  • SC: 24%
  • PR: 16%
  • RS: 13%
  • MG: 4%

Outro haitiano que se tornou paulistano após o terremoto de 2010 é Charles Obas, 32, que hoje trabalha como agente administrativo na concessionária da Linha 4-Amarela do Metrô. Há dez anos, a poucos minutos das 17h do dia 12 de janeiro, Charles acordou angustiado. Em algumas horas ele teria uma prova na faculdade de medicina. Charles se levantou para lavar o rosto quando sentiu a terra tremer sob os seus pés pela primeira vez na vida. O estudante correu até a janela de casa e viu sua cidade, Carrefour, desmoronando em meio a uma nuvem de pó branca. A cidade vizinha a Porto Príncipe, foi a mais afetada pelo terremoto de 2010.

Antes do terremoto, o Brasil não estava nos planos do universitário Charles. Seu projeto era se formar como médico numa das mais renomadas universidades privadas de seu país. Mas naquele dia 12, o estudante viu sua universidade ser transformada em escombros.

"Morreram muitos colegas da faculdade. Eu não consegui ficar lá muito tempo de tanto chorar", relembra. Ele nunca cancelou sua matrícula no curso, apenas abandonou a faculdade.

Charles e o primo voltaram para a casa onde moravam, que também estava destruída. Recolheram algumas roupas e os passaportes. Naquela noite, os primos tiveram que dormir na rua, num local longe o suficiente de qualquer prédio que pudesse ruir e desabar sobre eles. O ponto escolhido ficava entre entulhos e corpos das vítimas. "Não tinha jeito", resume ele.

Marcelin Desedy, 28, também morava na área impactada pelo terremoto. Ele relembra que, após o terremoto, cada dia trazia novas tragédias aos haitianos. "Imagine que todo o capital, tudo o que havia sido construído no país em 60 anos caiu num dia só", analisa. "O serviço público não tinha dinheiro para o desastre que aconteceu, hospital público não funcionava".

Os pais de Marcelin viviam da renda de mercadinhos e de imóveis alugados a terceiros. Mas com o país em colapso, não havia empregos. E sem trabalho, não havia como pagar o aluguel ou comprar nos mercados. "Até mesmo minha família que tinha alguma estrutura, ficou sem dinheiro". Ele hoje mora em Santo André, na Grande São Paulo e trabalha em um hortifrúti.

Já no interior do país, Charles Obas decidiu fazer algum curso para se manter em atividade, "queria algo que o fizesse esquecer do que viu". Decidiu se matricular num curso para encanador.

"As pessoas falavam que eu era maluco por ter saído da faculdade de medicina para ser encanador. Mas eu tenho a capacidade de resiliência. Se a vida não me deixou ser médico e quer que eu seja encanador, eu seria encanador com muito prazer", conta ele.

Ainda sem perspectivas de trabalho, o haitiano tentou emigrar para os Estados Unidos, mas não conseguiu. Nessa época, descobriu que o Brasil tinha regras mais brandas para imigração. A partir de então, passou pela República Dominicana e Equador até conseguir o visto brasileiro em 2014.

Foi também neste mesmo ano que a haitiana Guerda tomou sua decisão mais difícil: deixar a filha única de 3 anos com a família no Haiti e se mudar para São Paulo, onde o marido já havia conseguido um trabalho.

"Eu não sabia nem falar bom dia, mas consegui um emprego numa casa de família. A senhora me ajudava a falar e a entender", conta ela sobre a ajuda da patroa. O emprego seguinte foi numa pizzaria, onde continuou aprendendo com os colegas o nome dos ingredientes com que trabalhava: farinha, cebola, batata, pimenta etc.

A pizzaria em que trabalha pertence a uma rede de quatro restaurantes que emprega dez haitianos. Um dos sócios da rede, Derek Wagner defende os funcionários estrangeiros. "Eles querem aprender o tempo todo, são super dedicados, educados. É tudo que um restaurante precisa".

O primeiro emprego de Charles veio com a ajuda de uma ONG que oferece cursos a imigrantes no Brasil. O haitiano ganhou também uma bolsa numa instituição comunitária de ensino superior, onde fez o curso de Gestão de Recursos Humanos. Charles chegou a trabalhar para a Prefeitura de São Paulo e hoje é agente administrativo na concessionária da linha 4 do metrô.

Adaptado ao país, Charles diz ter três planos em mente. O primeiro é rever a mãe, que emigrou para os Estados Unidos. Outro desejo é cursar psicologia. O terceiro plano de Charles é poder ver a reconstrução do Haiti. "Ver todo mundo junto, crescendo economicamente, socialmente e intelectualmente".

Marcelin planeja fazer faculdade de jornalismo e também se tornar tradutor e intérprete.

Já Guerda, tem um novo plano desde a última quarta-feira (8), retomar a proximidade com a filha, após cinco anos de contatos feitos apenas por mensagens de telefone. Depois de juntar com o marido o pouco do salário que sobrava ao final dos meses e a doação de amigos, ela conseguiu pagar a viagem de Djenie até São Paulo. Com o filho mais novo, já com três anos, e outro a caminho, Guerda agradeceu a chance de matar a saudades da filha. "Ela era o que me faltava. Nunca mais vou deixá-la".

Fonte: https://g1.globo.com

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